Pular para o conteúdo principal

O menino dentro da menina

Acorda o menino dentro da menina. Sim, é menina, mas tem um menino dentro dela. Um menino como todos os outros meninos que gosta de coisas de menino. Bola, carrinho, cartas...
O menino acorda querendo ver gol. Como todo menino, o menino dentro da menina gosta de futebol. Gosta de gritar, torcer, vibrar. Xinga a mãe do árbitro q não apita direito, xinga o jogador do time adversário, xinga quem passa na frente da televisão ou resolve ligar durante a partida.

O importante é poder xingar. E nem adianta vir ninguém dizer "menina, que coisa feia, xingando que nem menino" Não é a menina que grita. É o menino. E menino pode.
Começa o jogo. Os olhos da menina não piscam, mas o menino dentro dela esperneia a cada lance. Mesmo as narrações mal-feitas são dignas de comentário.

A menina com o menino dentro está sozinha em seu quarto. O menino preferia estar com os amigos da menina assistindo ao jogo ou então em algum bar lotado de pessoas torcendo para o mesmo time que ela. Mas encontram-se ambos no quarto da menina, fazer o que...

A menina está cansada, teve um dia cheio. O menino não. Ele anda adormecido há dias só esperando um momento como aquele. O jogo sai do ar. E agora? Menina ou menino, não se sabe identificar, tenta em vão arrumar a tv. Nada. O jeito vai ser ligar o rádio. E o jogo começa a ser narrado. A menina fecha os olhos, é quase como se estivesse no estádio.

O menino atento a todos os detalhes. A menina aos poucos vai se desligando do corpo, fica apenas o menino. Agora é a menina quem dorme. E o menino pode enfim soltar o grito reprimido: GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL é do seu time, é do seu ídolo, é no seu estádio. É seu dia de glória. A menina dorme a sono profundo, sem nem imaginar o que se passa com o menino dentro dela.

E ele está lá deitado e vibrando de alegria. Ao longe escuta-se um grito. -Foi gol? Gol de quem? A menina desperta um segundo e responde a voz que gritara que o gol era do seu time. A voz pergunta outras coisas mas o menino já fez com que ela dormisse de novo e apenas ele pode estar presente novamente. E o time adversário avança, passa pela grande área, vem vindo, vem vindo...tá na cara do gol, chuta e.....DEFEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEESA do goleiro.

O menino exulta de felicidade. A menina adormecida nada vê. Mas ali está o menino dentro dela atento a cada detalhe. Acaba o primeiro tempo. Intervalo e ele acorda a menina. Ambos sentem fome, e ela vai até a cozinha pegar biscoitos e refrigerante. Ele preferia salgadinhos e cerveja, mas nada é perfeito. Afinal, ela é menina.

Começa o 2º tempo. Como que entorpecida a menina apenas fecha novamente os olhos e se deixa levar pela torcida contagiada que grita o nome do seu time. E sai o segundo gol. GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL berra ainda mais alto o menino. A mãe da menina reclama. -Assim não dá, essa menina vai acordar os vizinhos, onde já viu ficar gritando por esse jogo maluco a essa hora da noite?! Mas não importa. O menino está soltando toda a energia acumulada.

E sai cartão amarelo, e ocorrem substituições, e a torcida grita, o menino grita, a menina dorme, o pensamento dela fixo nas palavras do narrador na rádio. E o menino ali, querendo que acabe sem querer que termine. E apita o árbitro. Final de jogo. Vitória! A menina adormecida ainda que lentamente, começa a acordar. O menino diante de tamanha euforia, percebe que é hora de ir. Ela levanta, tira da rádio e liga o cd player. As luzes? Essas já estão apagadas desde o início do jogo.

Ela se deita, tira o óculos e logo adormece. E dentro dela, feliz, o menino adormece também, pensando em quando ele irá acordar de novo. E o quarto reina em silêncio absoluto.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Olhares

Ironico talvez seja a melhor palavra para definir o quão diferente uma situação pode ser vista, dependendo do olhar. Não jornalisticamente falando, mas uma mesma situação pode ser analisada de n formas diferentes. Basta saber o que se passa no coração de quem vê. Ruim ou bom, depende da forma como vemos isso. E aí entro em redundância, pois falo novamente das várias faces de uma moeda. Prefiro sempre o olhar do bem. O olhar que não vê maldade, o olhar do crescimento e aprendizado constantes. Acho que meus olhos ainda estão semicerrados, mas prefiro eles assim. Quero crer que tudo visa o bem maior, independente de crenças ou concepções. Talvez seja o olhar do sonhador...vai saber?!

Aquarelando 2

Ele Algodão cru, cavalete, tinta, pinceis e lápis. Sonhos, poesia, esperança, fé, determinação. Mão hábeis, olhos castanhos, puros, cristalinos. O mundo, mundo vasto mundo, diante das duas janelas: a da casa e a da alma. A tela, antes branca agora apresentava rabiscos. E iam surgindo traços, linhas, curvas; Ideias e ideais, ensejos e desejos. E os prédios descortinavam a baía de Guanabara... olha, ali é o Pão de Açúcar! E ela?! Ali tão alto, ela se sentia pequena frente ao mundo. Mundo que ela estava descobrindo. Mundo que ainda tem para conhecer. Mundo que ela já tinha visto. E tudo ali, diante dos olhos... como se fosse uma pintura. Como se fosse a pintura dele, que apresentava tudo a ela. E aquarelavam barcos a vela, tanto céu e mar no beijo azul. E começava a salpicar de estrelas prateadas a tinta negra que se derramava no céu. Era a noite que caía. E como pequenos vagalumes ansiosos, as luzes começaram a piscar aqui e ali. Dali, ou de lá?! E tal e qual na música, entre

A independência e o guarda chuva

Semana passada me deparei com uma cena muito curiosa. Uma menina, no alto dos seus 7 ou 8 anos, pedia insistentemente para que a mãe lhe comprasse um guarda chuva da Hello Kitty. Fora toda a questão consumista da estória, o que mais me chamou a atenção foi o discurso da menina. Ela queria o guarda chuva, porque ela já era grande! Sim, ela era grande e não precisava mais dividir o guarda chuva com a mãe. Parei pra pensar e vi que realmente, o guarda chuva é um grande sinônimo de independência. Afinal de contas, com o guarda chuva, estamos protegidos da chuva e do sol (algumas pessoas usam para essa finalidade) e temos a liberdade de irmos e virmos para/de qualquer lugar. Olha que maravilha, o guarda chuva é uma fabulosa ferramenta da liberdade! Devaneios infantis à parte, o conceito de liberdade e independência é latente, não importa a idade. Há o anseio do ser humano de querer não precisar de ninguém e ser autosuficiente para tudo, com o discurso do "eu quero, eu posso, eu faço&